Os agentes públicos designados para o desempenho das funções essenciais da Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC) devem ser selecionados, preferencialmente, entre servidores efetivos e empregados públicos. Se o município não tiver condições de dar atendimento à lei, de modo justificado e fundamentado, poderá indicar temporariamente servidor comissionado que tenha todas as qualificações impostas em lei.
Isso vale também em relação às disposições do artigo 8º da NLLC; especificamente para os agentes de contratação, da comissão de contratação e dos pregoeiros, integrantes do órgão contratante.
De qualquer forma, não é possível a acumulação da remuneração de cargo em comissão com gratificação por função de confiança ou com outras instituídas em razão de condições excepcionais de serviço, de acordo com o entendimento com força normativa estabelecido no Prejulgado nº 25 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).
Essa é a orientação do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Município de Cornélio Procópio (Norte Pioneiro do Estado), por meio da qual questionou se as funções atribuídas aos agentes públicos por meio da Lei nº 14.133/21 poderiam ser exercidas por servidores comissionados; e se eles poderiam receber, para tanto, gratificação pelo exercício de função até que fossem designados servidores efetivos.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que não podem ser exercidas por servidores comissionados as funções atribuídas aos pregoeiros e suplentes; aos membros da comissão de contratação responsável por conduzir as licitações sob a modalidade diálogo competitivo; e aos membros da comissão de contratação que eventualmente venha a substituir o agente de contratação nas licitações que envolvam bens especiais.
A unidade técnica ressaltou que as funções atribuídas aos demais agentes públicos referidos pela lei de licitações, a exemplo dos membros da equipe de apoio, gestores de contrato e fiscais de contrato, poderão ser exercidas por servidores comissionados, desde que sejam justificadas as razões da escolha do comissionado em detrimento do servidor efetivo; demonstradas as medidas concretas a serem adotadas para a resolução do obstáculo que impediu a designação de servidores efetivos; e demonstrada a presença das atribuições de direção, chefia ou assessoramento referidas pelo artigo 37, inciso V, da Constituição Federal.
Finalmente, a CGM destacou que não é possível a instituição de gratificação a servidores ocupantes de cargo comissionado para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei nº 14.133/21, pois o cargo em comissão já pressupõe o exercício de um encargo diferenciado.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O inciso V do artigo 37 da CF/88 fixa que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
O inciso V do artigo 6º da Lei nº 14.133/21 define agente público como o indivíduo que, em virtude de eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, exerce mandato, cargo, emprego ou função em pessoa jurídica integrante da administração pública.
O inciso LX desse artigo define agente de contratação como pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
O artigo 7º da NLLC dispõe que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução da lei que preencham os requisitos elencados em seus incisos I, II e III.
Os requisitos estabelecidos são os de que o agente público seja, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da administração pública; tenha atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possua formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e não seja cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
O parágrafo 1º do artigo 7º da Lei nº 14.133/21 expressa que a autoridade deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.
O artigo 8º da NLLC fixa que a licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
O parágrafo 1º desse artigo estabelece que o agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.
O parágrafo 2º do artigo 8º da NLLC dispõe que, em licitação que envolva bens ou serviços especiais, desde que observados os requisitos estabelecidos no artigo 7º, o agente de contratação poderá ser substituído por comissão de contratação formada por, no mínimo, três membros, que responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão. O parágrafo 5º desse artigo expressa que, em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro.
O inciso XI do artigo 32 da Lei nº 14.133/21 fixa que a modalidade diálogo competitivo será conduzida por comissão de contratação composta de pelo menos três servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão.
O item VIII-A do Prejulgado nº 25 do TCE-PR estabelece que é vedada a acumulação de cargos em comissão e funções comissionadas e o estabelecimento de gratificação por tempo integral e dedicação exclusiva a ocupante de cargo em comissão.
O artigo 15 do Estatuto dos Funcionários Civis do Paraná (Lei nº 6.174/70) dispõe que a função gratificada é vantagem acessória ao vencimento do funcionário, não constitui emprego e é atribuída pelo exercício de encargos de chefia, assessoramento, secretariado e outros para cujo desempenho não se justifique a criação de cargo em comissão.
O Acórdão nº 671/18 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 577361/16) expressa que não é possível a acumulação da remuneração de cargo em comissão com gratificação por função de confiança ou com outras instituídas em razão de condições excepcionais de serviço.
Segundo o doutrinador Marçal Justen Filho, a lei impõe uma preferência a ser observada de modo objetivo e rigoroso; assim, somente caberá indicar sujeito que não atenda aos requisitos quando se verificar a inviabilidade ou a frustração da solução consagrada no dispositivo. Ele lembra que a aplicação das concepções de gestão por competências relativamente a licitações administrativas acarreta a necessidade de qualificação dos agentes.
Justen Filho também afirma que a lei presume que um agente público que não usufrua de plenas garantias poderá sofrer pressões mais intensas ou ser tentado a praticar condutas irregulares. Ele acrescenta que a relevância das atividades pertinentes a licitações e contratações conduziu a lei a dar preferência à atuação de agentes públicos menos vulneráveis à incerteza.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Durval Amaral, lembrou que a lei fixa a preferência para que os agentes escolhidos para desempenho das funções essenciais à execução da NLLC sejam servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração.
Amaral afirmou que é necessário ato fundamentado e comprovação da inviabilidade do cumprimento desse preceito, em situação excepcional e transitória, para que servidor comissionado com idênticas qualificações impostas em lei para os efetivos possa desempenhar as funções. Ele destacou que, além disso, os eleitos devem ter atribuições relacionadas a licitações e contratos, ou possuir formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público.
O conselheiro lembrou que a legislação incutiu expressamente a fundamental segregação de funções, cujo intuito primordial reside no impedimento de condutas equivocadas resultantes da falta de aptidões do agente e de afazeres viciados em decorrência do acúmulo de papéis, viabilizando que o eleito tenha suas ações fiscalizadas por outros, materializando e privilegiando, de modo inequívoco, o sistema dos freios e contrapesos. Ele destacou que a atuação na área jurídica em destaque exige independência, fiscalização e conhecimentos específicos.
O relator ressaltou que as regras do artigo 7º da NLLC aplicam-se genericamente à atuação de qualquer agente público que, no exercício de suas funções, intervier nas atividades pertinentes a licitações e contratações administrativas; e que a comissão que substituir o agente de contratação deve seguir a mesma prescrição para o agente considerado isoladamente.
Amaral também lembrou que o parágrafo 5º do artigo 8º da NLLC insere o pregoeiro em idêntica condição do agente de contratação, ao preconizar que o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro; e que o mesmo ocorre em relação à indicação do leiloeiro nos casos de leilão.
O conselheiro afirmou, ainda, que o TCE-PR tem entendimento fixado em Consulta com força normativa e no seu Prejulgado nº 25 em relação a não ser admissível a acumulação da remuneração de cargo em comissão com gratificação por função de confiança ou com outras instituídas em razão de condições excepcionais de serviço.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão de plenário virtual nº 21/23 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 9 de novembro. O Acórdão nº 3561/23 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 20 de novembro, na edição nº 3.105 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).
Fonte: TCE-PR