Pessoa jurídica de direito público interno pode contratar por meio de dispensa de licitação órgão ou entidade da administração pública criada para o fim específico de fornecer bens e serviços referentes ao objeto da contratação, com respaldo nas disposições do inciso IX do artigo 75 da Lei nº 14.133/21 (a Nova Lei de Licitações).
Para tanto, a entidade fornecedora não deve ser atuante no mercado e o preço contratado deve ser compatível com aquele praticado pela concorrência; e em suas subcontratações deve ser aplicada a Lei nº 14.133/21.
Assim, não é necessária a aquisição de cotas de participação da sociedade anônima criada especificamente para o fornecimento de bens e serviços para que seja possível a sua contratação por dispensa de licitação.
Também é viável que os consórcios municipais contratem sociedade de economia mista para a prestação de serviço público de gestão de parque de iluminação pública, desde que o façam mediante licitação; seja para fins de contratação de serviços, nos moldes da Lei nº 14.133/21, ou de delegação de serviço público, por meio de concessão da modalidade administrativa, nos termos da Lei nº 11.079/04.
Nesse caso, as opções administrativas de contratação devem estar devidamente justificadas em conformidade com a gestão estratégica de iluminação pública dos entes consorciados; e também devidamente respaldadas nas leis de regência da contratação, bem como demonstrada a inviabilidade da prestação direta dos serviços pela administração.
Como as hipóteses de dispensa estão vinculadas à expressa previsão do artigo 75, inciso IX, da Lei nº 14.133/21, em situações que não atendam à demanda legal, especialmente nos casos de concessão ou permissão, a contratação deve ser precedida de licitação, não sendo cabível benefício para a entidade em razão de sua constituição.
Portanto, não há impedimento para a realização dessas contratações, que devem ocorrer em estrita observância à legislação aplicável. A Lei nº 14.133/21 exige que o órgão ou entidade tenha sido criado para o fim específico, o que deixa subentendido que a finalidade deve ser expressa. Essa exigência é reforçada pelas disposições do artigo 2°, parágrafo 2°, da Lei nº 6.404/76, segundo as quais é mandatório que as sociedades por ações tragam em seu estatuto social a definição precisa e completa de seu objeto.
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela estatal Londrina Iluminação S.A., por meio da qual questionou sobre a possibilidade de contratação de sociedade de economia mista por consórcios municipais para a prestação de serviço público voltado para a manutenção, conservação e modernização de parque de iluminação pública; e quais seriam os critérios para tanto.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) afirmou que a contratação por dispensa de licitação de órgão público criado especificamente para fornecer bens e serviços é possível desde que esse fornecedor não ofereça seus préstimos à iniciativa privada. Assim, estão excluídas da possibilidade de dispensa as entidades regradas pela Lei nº 13.303/16 (Lei das Estatais), que exerçam atividades econômicas ou prestem serviços públicos em caráter concorrencial.
A CGM destacou que também é requisito para a contratação que o preço seja compatível com o praticado no mercado; e que, nos termos o Acórdão nº 2217/18 – Tribunal Pleno, não é necessário que a entidade contratada pertença à mesma esfera de poder do ente ou entidade contratante ou que seja realizada a aquisição das cotas de participação da sociedade de economia mista, desde que sejam atendidos os requisitos.
A unidade técnica ressaltou que é possível que os consórcios municipais contratem sociedade de economia mista para a prestação de serviço público voltado a manutenção, conservação e modernização de parque de iluminação pública, desde que a contratação seja precedida de licitação.
Nesse caso, as opções administrativas de contratação devem estar devidamente justificadas em conformidade com a gestão estratégica de iluminação pública dos entes consorciados e devidamente respaldadas nas leis de regência da contratação; e deve ser demonstrada a inviabilidade da prestação direta dos serviços pela administração.
Finalmente, a CGM salientou que o contrato social, ou estatuto social, é ato constitutivo da sociedade de economia mista; e, portanto, é importante que nele conste claramente o seu objeto. Além disso, frisou que, para fins de dispensa de licitação, é necessário constar no estatuto social que o objeto da sociedade de economia mista destina-se a atender necessidade da administração que a instituiu.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM. Além disso, ressaltou que, como não há vedação legal para que sociedade de economia mista contrate com ente de direito público interno diferente daquele que a tenha criado, é desnecessária a aquisição de ações da empresa para fins de viabilização da contratação nos termos propostos.
O órgão ministerial reforçou que a dispensa de licitação está associada às hipóteses em que a Lei de Licitações deve ser aplicada; e, assim, pode haver a dispensa para os termos do inciso IX, do artigo 75, da Lei nº 14.133/21, se atendidos os requisitos ali elencados.
No entanto, o MPC-PR destacou que a prestação de serviço de iluminação pública, para fins de concessão ou permissão, somente poderá ocorrer se for precedida de licitação; e, nesse caso, não há benefício para entidade em face de sua constituição.
Legislação e jurisprudência
O inciso V do artigo 30 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.
O artigo 149-A da CF/88 estabelece que os municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública. O parágrafo único desse artigo fixa que é facultada a cobrança dessa contribuição na fatura de consumo de energia elétrica.
O artigo 175 do texto constitucional expressa que incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos.
O inciso IX do artigo 75 da Lei n° 14.133/21 dispõe que é dispensável a licitação para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a administração pública e que tenham sido criados para esse fim específico, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.
O artigo 2° da Lei nº 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades por ações, expressa que pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. O parágrafo 2° desse artigo fixa que o estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.
O Acórdão n° 2217/18 – Tribunal Pleno do TCE-PR, referente a processo de Consulta, estabelecera que a pessoa jurídica de direito público interno pode contratar, por meio de dispensa de licitação, órgão ou entidade que integre a administração pública, criada especificamente para o fim específico de fornecer bens e serviços referentes ao objeto do contratação em data anterior à vigência da Lei nº 8.666/93, não atuante no mercado, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado, com respaldo nas disposições do artigo 24, VIII, da Lei n.º 8.666/93.
Por meio desse acórdão também havia sido fixado o entendimento de que é admitida a contratação direta dos órgãos e entidades estatais que forneçam exclusivamente à administração pública, não se exigindo que o contratado atenda apenas a esfera federativa da pessoa jurídica de direito público interno que o criou.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Durval Amaral, acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele explicou que a Nova Lei de Licitações manteve praticamente inalterada a previsão da Lei n° 8.666/93, com ressalva à eliminação da exigência de que a entidade a ser contratada, integrante da administração pública, tivesse que ter sido criada para o fim específico a que se destina em momento anterior à vigência da lei.
Amaral entendeu ser plenamente aplicável ao caso o entendimento fixado por meio do Acórdão n° 2217/18 – Tribunal Pleno do TCE-PR, proferido em resposta à Consulta semelhante apresentada pela Sercomtel S.A. Telecomunicações.
O conselheiro lembrou que, após a alteração legal, restam apenas como requisitos específicos para tal contratação a ausência de atuação direta no mercado e a necessidade de que o preço seja compatível com aquele praticado pela concorrência. Além disso, ele destacou que, como há a possibilidade legal de dispensa de licitação, é desnecessária a aquisição de cotas de participação da S.A.
O relator explicou que a prestação de serviços voltada à manutenção, conservação e modernização do parque de iluminação pública é de atribuição dos municípios, por força do disposto no artigo 30, inciso V, combinado com o artigo 149-A da Constituição Federal. Ele frisou que os serviços públicos de interesse local que não forem prestados diretamente pelo município devem ser realizados sob regime de concessão ou permissão, mediante prévia licitação.
Amaral ressaltou que os consórcios públicos podem licitar e firmar contratos administrativos para contratação de bens, obras e serviços; e podem licitar para delegar serviços públicos pelos quais sejam responsáveis, de acordo com a designação do seu protocolo de intenções.
O conselheiro acrescentou que a contratação da sociedade de economia mista para gerir parque de iluminação pública é lícita, desde que seja observada a legislação.
Mas o relator alertou que, caso não sejam atendidos os requisitos estabelecidos. a sociedade de economia mista criada para um fim específico deverá participar de licitação pública para prestar serviços aos demais órgãos e entes da administração pública. Ele salientou que a criação para um fim específico não interfere na subsunção às regras dos processos licitatórios.
O conselheiro Maurício Requião apresentou voto divergente no julgamento do processo, apenas para acrescentar a disposição de que nas subcontratações do órgão fornecedor deve ser aplicada a Lei nº 14.133/21.
Os conselheiros aprovaram o voto divergente por maioria absoluta, na Sessão de Plenário Virtual nº 10/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 6 de junho. O Acórdão nº 1501/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 14 de junho, na edição nº 3.229 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 25 de junho.
Fonte: TCE-PR