Uma das novidades do novo decreto do pregão eletrônico, Decreto nº 10.024/19, foi estabelecer a possibilidade de o valor estimado ou o valor máximo aceitável para a contratação, ter caráter sigiloso. É que, na fase de planejamento, o próprio órgão faz sua pesquisa de mercado estabelecendo o que poderíamos chamar de valor admissível em relação as propostas que receber das licitantes, já que se estas últimas apresentarem valor maior, suas propostas serão desclassificadas.
Não se pode confundir o valor admissível com o que, em negociação, chamamos de BATNA (best alternative to a negotiated agreement) que, resumidamente, é o valor ideal para um contrato, geralmente secreto; digo isso pois o BATNA representa, tanto uma média dos preços, quanto considera a situação econômica do negociador; por sua vez, o valor admissível na administração é fruto de uma pesquisa de mercado com o objetivo de achar o valor máximo praticado. Não é por outra razão que o pregoeiro deve sempre buscar negociar para abaixar ainda mais o valor da licitante vencedora – o que não seria necessário se o valor estimado fosse equivalente ao BATNA.
Assim, o normal das licitações é estabelecer esse preço admissível logo de início, expresso no edital; mas essa prática pode gerar uma situação complicada para a administração: onde as licitantes, ao saberem do valor admissível, apresentam suas propostas e lances em torno do máximo e não do valor usual do mercado em situação de concorrência.
Para se evitar essa situação e inspirado no Regime Diferenciado de Contratações (RDC), o novo decreto deixou essa decisão para o pregoeiro no caso-a-caso, dispondo que esse valor admissível “se não constar expressamente do edital, possuirá caráter sigiloso e será disponibilizado exclusiva e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno” (art. 15).
Isso não significa que esta pesquisa jamais será disponibilizada para os licitantes, pois o próprio parágrafo segundo do artigo 15 dispõe:
“§2º Para fins do disposto no caput, o valor estimado ou o valor máximo aceitável para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento do envio de lances, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias à elaboração das propostas.” (grifos nossos)
Assim, a mudança veio em boa hora, atende ao interesse público, todavia, deve ser aplicada da maneira correta evitando abusos, isto porque, a divulgação pública, para todos os licitantes, é “imediatamente após o encerramento do envio de lances” e podemos estabelecer, ao menos, duas razões para a escolha desse momento.
A primeira razão é que todas as licitantes, inclusive as que perderam na fase de lances, têm direito subjetivo de saber, fiscalizar e recorrer se a empresa efetivamente contratada ofereceu um valor igual ou abaixo da pesquisa do órgão.
A segunda razão, por sua vez, é que na fase de negociação – que é quando o pregoeiro age para reduzir o preço da licitante vencedora, esta última deve saber, antes de tomar a decisão, o preço máximo aceito pela administração, a fim de compreender se sua proposta realmente pode “chegar” naquele valor.
Deve-se compreender também que divulgar o valor admissível antes da negociação, tende a evitar a situação inadmissível onde uma licitante seria desclassificada sem saber qual era o valor estimado ou o valor máximo aceitável, precisamente, por ataque direto ao princípio da legalidade, da publicidade e da boa-fé objetiva.
[avatar user=”adiel.ferreira” /] ADIEL FERREIRA Jr. – advogado especialista em Direito Administrativo pela PUC Minas, professor universitário na Uninassau e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB de Pernambuco.