“Planejar é fundamental, mudar o plano é vital.” Walt Disney
1. Contextualização 2. Da estabilidade provisória prevista na MP 936/20 e Lei 14.020/20 pelo uso do Benefício Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda 3. Negociação e consensualidade nos contratos terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra 4. A previsibilidade do término do prazo contratual 4.1. Possibilidade de prorrogação contratual 4.2. Possibilidade de prorrogação excepcional do contrato para além dos 60 meses 4.3. Rescisão antecipação por iniciativa da Administração e o pagamento da estabilidade provisória 4.4. Rescisão amigável e o pagamento da estabilidade provisória 5. Considerações Finais
1. Contextualização
Após mais de seis meses do início da pandemia no Brasil que culminou com o esvaziamento dos espaços públicos, a transferência de grande parte dos servidores públicos para Home-Office e redução de demanda nos contratos terceirizados, por conta desse novo cenário aliado às diversas orientações médico-sanitárias emanadas pelas autoridades locais, estaduais e municipais, ainda restam muitos questionamentos sobre a melhor forma de gerenciar os contratos diretamente impactados pela calamidade da COVID-19 em âmbito administrativo.
O Ministério da Economia expediu algumas orientações, para os contratos de prestação de serviços terceirizados[1] em âmbito federal, publicado no dia 21 de março de 2020 no Portal de Compras do Governo Federal. Também foi objeto de disposição no Oficio Circular SEI nº 995/20/ME. Porém, de lá para cá, muitas medidas provisórias foram editadas para enfrentamento da pandemia da COVID-19 no Brasil. Algumas foram convertidas em lei, outras simplesmente caducaram e muitas até o presente momento não foram objeto de análise jurídica mais aprofundada.
Uma das medidas emergenciais publicadas, foi a Medida Provisória nº 936 de 01 de abril de 2020,convertida na Lei 14.020 em 06 de julho de 2020, que introduziu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares com objetivo claro de preservar os postos de trabalho e garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais, diante da calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo de nº 6 de 20 de março de 2020 e emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus de que trata a Lei 13.979 de 06 de fevereiro de 2020.
O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda prevê a possibilidade das empresas suspenderem os contratos de trabalho de seus empregados ou reduzirem jornada e salário dentro das regras previstas na própria norma, proporcionando ao empregador custo social e trabalhista reduzido para a manutenção dos empregos nesse período de crise econômica.
Na área pública, muitas instituições deixaram de realizar atendimentos presenciais ao público rotineiramente atendido, passando os servidores a trabalhar100% em regime de teletrabalho, outras, mantiveram atendimento mínimo presencial, apenas para atendimento de situações emergenciais. Assim como há Instituições, como aquelas relacionadas diretamente à área da saúde, em que a rotina praticamente não foi alterada.
Diante desse novo cenário apresentado, as Instituições que tiveram suas rotinas alteradas com a conseqüente redução de demanda pelos serviços terceirizados contratados que não puderam ser convertidos em teletrabalho, salvaguardados por pareces de suas assessorias jurídicas, das próprias orientações da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia e de outros normativos legais, tiveram que suspender parcialmente ou totalmente os serviços contratados. Aí começaram as dificuldades gerenciais que ultrapassam os limites de uma análise estritamente jurídica.
A Secretaria de Gestão do Ministério da Economia entendeu que a manutenção do pagamento pela Administração dos valores correspondentes aos salários dos empregados das empresas prestadoras de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, seria juridicamente válido diante da situação da imprevisibilidade da pandemia do novo coronavírus e por ser medida coerente com o esforço do governo em preservar vidas, reduzir contatos sociais e manter empregos e a renda para que o impacto econômico seja minimizado ao máximo. Assim, a orientação foi no sentido de negociar com as empresas contratadas a adoção das medidas trabalhistas disponibilizadas à época da orientação, que seria as medidas trazidas na MP 927/20[2], com a observância das devidas adequações em planilha de custo de pagamento dos benefícios do vale-transporte e auxílio alimentação, conforme a solução utilizada.
Com a permanência da pandemia em todo território nacional, por um período muito superior ao que inicialmente se projetava, com diferentes orientações legais das autoridades estaduais e municipais para abertura e fechamento de comércios e atividades não essenciais e inúmeras restrições até mesmo no transporte público, adotadas com objetivo de conter o avanço do vírus, os impasses relacionados aos contratos terceirizados só aumentam, fazendo com que haja novas análises sobre aspectos pontuais que inicialmente não foram considerados.
Nesse sentido passou-se a questionar sobre a continuidade de pagamento à contratada por serviços contratados em regime de dedicação exclusiva de mão de obra, que não foram executados, aos quais os postos de trabalho alocados foram suspensos por determinação da Administração contratante dos serviços.
Na mesma seara, questionou-se sobre a manutenção de pagamento por serviços não prestados quando a empresa valeu-se das medidas de suspensão ou redução de salário ou jornada prevista na MP 936 convertida na lei 14.020/20 para custear os empregados alocados aos postos de trabalho que foram suspensos no contrato administrativo firmado. Consequentemente, os reflexos no custo das empresas terceirizadas em regime de dedicação exclusiva de mão de obra, pelo uso dos artifícios previstos na MP 936/20 de suspensão e redução de jornada e salário também passaram a ser objeto de apreciação em pareceres de diversas instituições que enfrentam esses problemas. Dentre eles, cito o Parecer SEI de nº 9398/20 ME emitido pelo Núcleo de Consultoria e Assessoramento Jurídico da 5ª Região – NUCAJ5 da PGFNe o Parecer SEI Nº 8966/2020/ME da Coordenação-Geral de Licitações e Atos Normativos em Contratação Pública da PGFN (CGLA/PGFN).
Todavia, nenhum dos Pareceres citados, esclareceu sobre como a Administração contratante de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, deve agir quando a empresa contratada valeu-se das medidas trazidas no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda introduzida pela MP 936/20, convertida na Lei 14.020/20 e seus empregados beneficiados garantiram direito a estabilidade provisória pelo mesmo período de tempo utilizado, conforme determina o respectivo Programa. Porém, considerando o término normal do contrato firmado ou uma possível rescisão antecipada do contrato, adentrará o período da garantia provisória garantida ao empregado. Nesses casos, pode-se inferir que o término da vigência do contrato pode ser admitida como alegação de força maior e motivo para a contratada rescindir contratos de trabalho e cobrar da Administração contratante o valor da indenização prevista no art. 10, Lei nº 14.020/20, que é o pagamento do salário integral durante o período de estabilidade?
Para responder a essa e a outras questões que a discussão comporta, precisamos tratar das várias hipóteses e circunstâncias que podem interferir na melhor forma de agir, o que se propõe o presente texto.
- Da estabilidade provisória prevista na MP 936/20 e Lei 14.020/20 pelo uso do Benefício Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda
Uma das medidas trazidas pela MP 936/20 foi a complementação da renda dos trabalhadores do setor privado pelo governo federal, por meio do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho. Em contrapartida pelo uso do benefício, o art 10 da referida norma [3] previu expressamente que os empregados que receberem o benefício emergencial terão garantia provisória no emprego enquanto perdurar a redução da jornada e salário, ou a suspensão, e por igual período após o reestabelecimento da carga horária ou a retomada do contrato de trabalho. Como exemplo, o empregado que tiver sua jornada e salário reduzidos durante três meses não poderá ser dispensado sem justa causa durante o período de redução e nos três meses seguintes, totalizando uma garantia de seis meses.
Contudo, a garantia provisória no emprego não se aplica aos empregados que pedirem demissão ou forem dispensados por justa causa em razão da prática de alguma das condutas gravosas tipificadas nas alíneas do artigo 482 da CLT.
Dispõe ainda, o § 1º do art 10 da MP 936/20 que ocorrendo o desligamento imotivado durante o período de estabilidade provisória garantido, o empregador deverá pagar todas as verbas rescisórias a que o empregado faz juz e uma indenização relativa ao período remanescente da garantia, nos seguintes percentuais do salário a que o empregado teria direito:
- 50%: reduções de jornada e salário iguais ou superiores a 25% e inferiores a 50%;
- 75%: reduções de jornada e salário iguais ou superiores a 50% e inferiores a 75%; ou
- 100%: reduções de jornada e salário superiores a 75% ou suspensões temporárias do contrato de trabalho.
Portanto, se pode desprender daí, que ao encaminhar o empregado para a concessão do benefício, seja a suspensão ou a redução de jornada e salário, a estabilidade provisória é perfeitamente previsível, permitindo que o empregador não só calcule exatamente o período da estabilidade que deve suportar, bem como o quanto essa lhe custará caso haja demissão imotivada durante esse período.
Diga-se de passagem, a proteção contra dispensa imotivada do empregado é verdadeiramente uma contrapartida ao sacrifício do trabalhador, que ao ser encaminhado para o benefício sujeitar-se-á as regras do mesmo, o que ao final acarretará na diminuição de sua remuneração, o que pode impedir o empregado de honrar com seus compromissos pessoais já assumidos.
- Negociação e consensualidade nos contratos terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra
Em âmbito dos contratos administrativos, entendeu-se perfeitamente pertinente realizar análise de pertinência dos serviços contratos, e em caso de haver a diminuição do fluxo de servidores dos órgãos ou entidades, por estarem executando as suas atribuições remotamente ou em expediente parcial, em sistema de rodízio, por exemplo, com base na singularidade e essencialidade de cada atividade prestada, possível suspender os serviços prestados pelas empresas terceirizadas ou apenas reduzir o quantitativo até que a situação se regularize.
Nesse sentido, a negociação com as empresas prestadoras de serviços terceirizados, tendo em vista a singularidade de cada situação, foi incentivada tanto pelos doutrinadores em lives abertas nas redes sociais, como em artigos escritos sobre o tema e citados com frequência em pareceres jurídicos, como uma boa prática para enfrentamento das dificuldades nesse momento de crise.
Em muitas Instituições ao compreenderem pela impossibilidade jurídica ou até mesmo de inconveniência de seguir pagando pelos serviços não prestados (suspensos temporariamente ou totalmente), sem querer entrar no mérito dessa análise, houve o estímulo à utilização por parte das empresas contratadas das medidas emergenciais editadas pelo governo Federal, a exemplo da MP 927/20 (não convertida em lei) e a MP 936/20 (convertida na lei 14.020/20), como forma de manter o emprego e a renda dos trabalhadores pertencentes a grupo de risco ou simplesmente afastados, sendo frequentemente citadas como soluções para o enfrentamento do dilema com a suspensão dos contratos terceirizados.
Nessa feita, verificamos que a grande maioria da doutrina entendeu que a Administração Pública detém a prerrogativa administrativa implícita de determinar a suspensão temporária da execução contratual unilateralmente ou de forma consensual, o que seria o ideal diante da excepcionalidade do período vivenciado e da legítima preocupação com a manutenção dos postos de trabalho.
Assim alterações relativas à suspensão e suas particularidades, alterações no modo de execução (alteração de rotinas), mudanças no IMR-Instrumento de Medição de Resultado e tantas outras podem ser pactuadas consensualmente com base legal no inciso II do artigo 65 da Lei nº 8.666/93, que segundo a doutrina majoritária comporta tal entendimento. Até porque mudanças na forma de execução, podem ser consideradas como alteração do “modo de fornecimento” do serviço, fundamentada na alínea b do inciso II do artigo 65 em questão.
Diante da excepcionalidade da situação e principalmente diante das determinações trazidas na Lei 13.979/20 para que empregados pertencentes a grupo de risco sejam afastados e ainda para que os afastamentos sejam considerados como “faltas justificadas”, sem acarretar em prejuízo para os próprios empregados, houve desde o início da pandemia uma preocupação com o destino desses empregados e um cuidado para que as suspensões parciais ou totais dos contratos não acarretasse em demissões desmotivadas.
Em alguns Estados como o Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, foram emitidas leis prevendo a possibilidade de manutenção dos pagamentos pelos serviços não executados com objetivo claro de impedir demissões e prejuízo aos empregados. Em outras situações, onde não havia normatização nesse mesmo sentido, a própria Administração contratante dos serviços interviu para evitar demissões, estimulando que poderiam ser utilizadas as Medidas Emergenciais para Manutenção de Emprego e Renda editadas pelo Governo Federal como forma de manutenção dos postos de trabalho enquanto a necessidade de suspensão dos contratos persistisse, sem saber ao certo até quando iria a suspensão.
Dito de outro modo, a Administração Pública dentro das prerrogativas que a lei determina, em especial às relativas ao necessário acompanhamento do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias dos contratos, tinha conhecimento das medidas utilizadas pelas empresas durante todo o período de suspensão dos contratos Administrativos, que foram determinados ou de forma unilateral ou consensual.
Em uma situação ordinária, de normalidade, não me resta dúvidas que a suspensão de um contrato, sequer acarretaria na hipótese de ingerir na atividade do contratado, impondo o uso de qualquer medida de cunho trabalhista que seja. Essas questões, via de regra, são decididas exclusivamente pelas empresas contratadas. Caberia apenas, em face de uma suspensão total, possíveis indenizações pela mobilização e desmobilização dos profissionais dedicados ao contrato, conforme preconiza o art. 78, XIV da Lei 8.666/1993.
Mas diante do cenário de pandemia e de crise em face do novo coronavírus e da gigantesca repercussão social e econômica que demissões em massa de terceirizados poderiam acarretar, uma outra situação fática e transitória se estabeleceu. Muitas Administrações Públicas realizaram uma suspensão parcial ou total da execução das obrigações do contratado com a declarada manutenção dos postos de trabalho, que foram pagos ou com parte de pagamento pela própria Administração ou com uso das medidas emergenciais do governo, com a expressa ciência desta.
Não resta dúvidas que houve flexibilização de certas regras contratuais e a primazia pela consensualidade. Não que os contratos administrativos tenham servido como meio para realização de políticas sociais, mas claramente houve certo “alívio” para a Administração Pública contratante de serviços terceirizados que entenderam não haver base legal para seguir pagando por serviços não executados e que para tais situações, as empresas poderiam valer-se das medidas legislativas para manutenção de emprego e complementação de renda, tais como as previstas na MP 927/20 e MP 936/20.
Aliados ao fato da imprevisibilidade de quanto tempo as suspensões contratuais seriam necessárias, o que até hoje, passados mais de 6 meses de pandemia, persiste esse cenário de indefinição, sem prazo para retomada das atividades normais, a utilização das medidas legislativas emitidas pelo Governo, em especial a MP 936/20 convertida na Lei 14.020/20 parecia ser a alternativa mais apropriada no curto prazo. Até porque o programa prevê a possibilidade de suspensão de seu uso a qualquer tempo, caso o empregador decida antecipar o fim do acordo firmado[4].
De outro lado, mantidos os vínculos de trabalho inalterados, além de evitar demissões em massa, e a necessidade de recontratação quando as atividades forem sendo retomadas, o que aumenta os custos, evita algo muito valioso para o contratante – a desorganização no contrato e a súbita desestruturação dos fornecedores, com possível quebra financeira.
Assim sendo, não me restam dúvidas de que a adoção das medidas para preservação de emprego e renda pelas empresas, foi conveniente também para a Administração contratante, que se viu obrigada a suspender contratos terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, realizando ajustes contratuais unilaterais ou consensuais na medida do possível para preservar os interesses das partes, sendo certo que todas as condições impostas em lei pelo uso das medidas era de pleno conhecimento de ambos e deveriam ter suas consequências práticas lá tratadas.
Agora, se a contratada, por sua conta e risco, diante da situação fática enfrentada, encaminhou seus empregados para o recebimento do benefício emergencial, ciente do prazo de encerramento do contrato de prestação de serviços firmado tendo outra alternativa que poderia ser utilizada ou o que seria mais grave, utilizou o benefício mesmo tendo recebido pelos serviços que não foram executados, penso não haver nenhum direito ao ressarcimento pelo período de estabilidade dos empregados beneficiados em razão do encerramento contratual, ainda que o mesmo possa ser prorrogado.
- A previsibilidade do término do prazo contratual
Com isso avançamos para um terceiro aspecto que precisa ser analisado para tratarmos das estabilidades provisórias advindas do uso do benefício emergencial: a previsibilidade do término contratual frente ao uso do Benefício Emergencial.
Aliás no processo decisório, é salutar e necessário que o gestor público avalie as consequências da decisão de suspensão dos contratos em face do prazo previsto para cada um deles e em face da possível retomada das atividades presenciais, com o relaxamento das medidas de isolamento social, bem como avalie as consequências que a suspensão dos contratos seguido do uso do benefício emergencial irá gerar.
A avaliação das consequências pelo gestor público é determinada pelo artigo 20 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, incluído pela Lei 13.655/18, segundo o qual “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.”
Desta feita, é de primordial importância análise sobre a expectativa de tempo para a retomada das atividades, bem como a repartição dos custos impostos pelo covid-19. Dessa análise algumas situações fáticas podem ocorrer, o que será analisado nas próximas linhas.
4.1. Possibilidade de prorrogação contratual
A primeira situação é a utilização das medidas para Preservação de Emprego e Renda, nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho por período de utilização tal, em que o tempo de estabilidade provisória concedida aos empregados que fizeram jus ao benefício, extrapole o prazo de término do contrato. Como exemplo, seria o caso em que empregador concedeu ao terceirizado suspensão de contrato de trabalho a partir de 01 de junho 2020 pelo período de 90 dias, ou seja até 29 de agosto de 200 e o contrato continuado de terceirização em regime de dedicação exclusiva de mão de obra tem prazo de vigência até 30 de outubro de 2020. Nesse caso, o empregado garantiria estabilidade provisória até 28 de novembro de 2020. Findando o contrato em 30 de outubro, e a contratada não tendo condições de alocar o empregado, precisaria indenizar esse mês de estabilidade conforme art 10 da Lei 14.020/20,
Para essa situação, havendo possibilidade de prorrogação contratual, nas regras do inciso II do art. 57 da Lei 8.666/93, esta talvez seja uma boa alternativa, uma vez que o contratado obteria a possibilidade de manter o empregado no contrato, não havendo o pagamento imediato da indenização prevista no art 10 da Lei 14.020/20. Contudo, não havendo direito garantido à renovação, sem sombra de dúvidas cabe aí, analise de pertinência e oportunidade para avaliar vantajosidade de sua concessão.
Desta feita havendo utilização das medidas emergenciais para manutenção do emprego e renda pela contratada e estando os empregados em período de estabilidade provisória quando do final do contrato administrativo, mas havendo possibilidade de prorrogação contratual e esta sendo vantajosa para Administração, restaria ao contratado a opção de aceitar a prorrogação contratual, sendo os custos contratuais negociados entre as partes por ocasião da prorrogação contratual.
Por outro lado, importante reforçar que a prorrogação contratual não é direito do contratado. Isso quer dizer que, caso a utilização das medidas emergenciais tenham sido concedidas pela contratada em período cujo uso estenda o período da estabilidade provisória garantida aos empregados para além do prazo contratual firmado, sendo tanto a estabilidade provisória previsível quanto o próprio prazo contratual, não havendo interesse na prorrogação do contrato, a contratada deverá arcar com esse ônus. Salvo, se consensualmente foi acertada com a administração contratante que durante período de suspensão contratual, a contratada poderia fazer uso das medidas emergências legislativas como forma de manter os postos de trabalho, sem receber pelos serviços não prestados.
Nesse caso, houve anuência da contratante no que tange as consequências da decisão avençada, de tal forma que sustento haver aí necessidade de pagamento da indenização pelo período faltante da estabilidade, caso a contratada não tenha condições de alocar os empregados em outro contrato.
4.2. Possibilidade de prorrogação excepcional do contrato para além dos 60 meses
Vale destacar também, que para os casos de contratos que estejam na última prorrogação contratual, próximo ao final do prazo dos 60 meses, há ainda na legislação a figura da prorrogação excepcional do contrato trazida no artigo 57, § 4º, da Lei nº 8.666/1993, que permite, em determinadas situações, que o contrato administrativo seja prorrogado por mais 12 (doze) meses além do período máximo de 60 (sessenta) meses estabelecido como regra[5]. Por tratar-se de uma situação excepcionalíssima, exige o preenchimento de diversos requisitos pela Administração Pública para que possa ser viabilizada, cujo escopo não será analisado no presente artigo, mas que diante da essencialidade do serviço, não se descartaria sua possibilidade.
Assim, caso tenha sido pactuado o uso do benefício emergencial para manutenção de emprego e renda por período cuja concessão da estabilidade provisória do art 10 da Lei 14.020/20, após retorno do empregado ultrapasse o prazo final do contrato, já em sua última prorrogação, poderia ser aventada a possibilidade de uma prorrogação excepcional, caso satisfaça todos os requisitos para tanto.
4.3. Rescisão antecipação por iniciativa da Administração e o pagamento da estabilidade provisória
Conforme se extrai da redação do art. 78, XII combinado com o art. 79, I, da Lei 8.666/93, seria cabível a rescisão unilateral pela Administração, calcada no princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o privado, que norteia todo o contrato administrativo. Sem querer adentrar no mérito de tal procedimento, nem explorar as possíveis causas que possam levar a rescisão antecipada unilateral, a ideia aqui é estabelecer relação causa e efeito, no que tange a possibilidade do contratante não ter mais interesse na continuidade da avença e a empresa contratada ter se valido das medidas emergenciais para manutenção de emprego e renda, durante período de suspensões e ter sido surpreendida com uma rescisão unilateral da Administração no período de estabilidade provisória de seus empregados, o que poderia gerar a discussão sobre quem deve arcar com o ônus da possível indenização aos empregados.
Nesse sentido, conforme previsto no art. 79 § 2º da Lei nº 8.666/93 quando a rescisão contratual ocorrer com base nos incisos XII do artigo 78, sem que haja culpa do contratado, ou seja, agindo de boa-fé, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito à devolução da garantia, pagamento dos valores devidos pela execução do contrato até a data da rescisão, e pagamento referente ao custo de desmobilização.
Uma vez comprovado que o uso das medidas emergenciais para manutenção de emprego e renda foi consentido pela própria contratante, que se beneficiou de seu uso, ajustando o preço contratual em termo aditivo, ao suspender parte ou todos os serviços contratados, sem devido pagamento ou com pagamento reduzido pelo uso, bem como comprovado os prejuízos que a rescisão unilateral traz, principalmente pela desmobilização, que inclui o custo das demissões antecipadas e a indenização da estabilidade provisória conforme art.10 da Lei 14.020/20.
4.4. Rescisão amigável e o pagamento da estabilidade provisória
O art. 79 da Lei 8.666/93 prevê a possibilidade da rescisão ser unilateral, amigável ou judicial. Sendo conveniente para a Administração, principalmente em face desse momento em que estamos, em que para o lado da Administração contratante, alguns serviços contratados deixaram de ser tão essenciais quanto antes, enquanto que por parte da contratada, as dificuldades de execução são tantas, que o contrato não torna-se mais tão atrativo, poderia a rescisão ser realizada por acordo entre as partes.
Nesse âmbito, uma rescisão amigável realizada com total ciência da contratada e a conveniência para a Administração, poderia perfeitamente por fim ao ajuste, estabelecendo o distrato não só as circunstâncias e a motivação para o ato, como esclarecendo todas as questões relacionadas às obrigações tributarias, financeiras e trabalhistas da contratada ( incluindo aí a questão da estabilidade provisória pelo uso das medidas emergências) e a inexistência de perdas e danos, observando os princípios da economicidade e da razoabilidade, evitando-se prejuízo ao erário.
Considerações Finais
Após o exposto, concluímos que o tema comporta muitas reflexões e possibilidades, conforme o caso concreto e não se esgota nas linhas acima apresentadas.
A estabilidade provisória concedida aos empregados beneficiados pela utilização do Programa de Manutenção de Emprego e Renda instituído pela MP 936 publicada em 01 de abril de 2020 e convertida na Lei 14.020 em 06 de julho de 2020, como medida de enfrentamento para empregados e empregadores frente a crise da Covid-19, é um direito totalmente previsível desde a criação do programa, perfeitamente possível de ser calculado quando do encaminhamento do benefício.
Talvez a grande questão a ser analisada para definição de quem deve arcar com o ônus da estabilidade provisória quando a empresa contratada não puder manter o empregado beneficiado empregado durante esse período, seja ele dedicado ao contrato firmado originalmente, seja em outro contrato que a empresa possua, é a forma com que foi pactuado e tratada a suspensão do contrato administrativo face às determinações para esvaziamento dos espaços públicos, aliado ao fato da previsibilidade do prazo de vigência contratual. Esse parece ser o caminho.
[1] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1270recomendacoescovid-19-servicos-terceirizados
[2] Lembrando que à época da publicação da orientação da SEGES para o enfrentamento do Coronavirus em relação aos contratos terceirizados ainda não havia sido publicada a MP 936/20.
[3] O art 10 da MP 936/20 foi mantido intacto no art 10 da Lei 14.020 de 06 de julho de 2020.
[4] Art 8º, § 3º, inciso III da MP 936/20
[5] A lei das Estatais –Lei 13.303/2016 que estabelece o regime jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias (estatais) não prevê expressamente a prorrogação excepcional aqui tratada.
[avatar user=”flaviana.paim” /] FLAVIANA PAIM – contadora formada pela UNISINOS – Universidade do vale do Rio dos Sinos e advogada, formada pela Ulbra- Universidade Luterana do Brasil , pós-graduada em Auditoria e Perícia Contábil pela Fapa- Faculdade Porto-Alegrense. Sócia da Paim & Furquim Contabilidade, em Gravataí/RS. Assessora técnica e articulista para as áreas de finanças e Licitações do INGEP – Instituto Nacional de Gestão Pública, com sede em Porto Alegre/RS. Integrante da comissão de terceirização do IBDA – Instituto Brasileiro de Direito Administrativo. Palestrante, congressista e facilitadora de treinamentos abertos e fechados há mais de 15 anos, em temáticas relacionadas à Licitações e Contratos, com enfoque específico para a elaboração e análise de planilhas de custos e formação do preço de prestação de serviços e terceirização na Administração Pública. Autora de diversos artigos publicados e co-autora do livro “Subsídios para Contratação Administrativa”, publicado pela INGEP Editora em 2010; co-autora do livro “Subsídios para Contratação Administrativa – Legislação Essencial e Questões Práticas”, pela INGEP Editora, em 2012 (esgotado) e co-autora do livro “Instrução Normativa 05/17-MPDG – Comentários a artigos e anexos”, publicado em 2017 pela Ingep Editora.