Pela desapropriação das terras, perícia indicou valor cinco vezes maior do que laudo do Incra apontava, mas ficou comprovado em juízo que cifra não procedia
A Advocacia-Geral da União (AGU) obteve na Justiça Federal a redução do valor que deverá ser pago pela União na desapropriação de uma área que será devolvida a uma comunidade remanescente de quilombos. O caso envolve a comunidade quilombola Bom Retiro, na Fazenda Santo Antônio, que fica no município de Santa Leopoldina, Espírito Santo.
O processo de regularização do território teve início em 2010, com a avaliação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indicando uma indenização para os particulares no valor de aproximadamente R$ 1,1 milhão, correspondente à terra nua. No entanto, uma perícia judicial realizada apenas doze anos depois, em 2022, fixou um valor cinco vezes maior, de R$ 5,5 milhões.
Representando o Incra, a AGU apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) questionando esse valor, que representava uma diferença de mais de R$ 4 milhões. Isso porque, de acordo com o próprio perito judicial, o novo valor identificado se devia a uma valorização pela qual o local passou ao longo de doze anos, que se deveu a aspectos externos, relacionados ao mercado agropecuário da região.
O principal argumento da AGU no processo foi o do “princípio da contemporaneidade”, isto é, a noção de que a avaliação precisa levar em conta somente os elementos contemporâneos ao momento da desapropriação. “Qualquer perícia realizada em uma área expropriada deve levar em conta os critérios em vigor à época, sendo que os valores serão apenas atualizados, em razão do tempo decorrido ao longo do processo. Ressalte-se que uma perícia produzida nos dias atuais não refletiria as reais condições do valor do imóvel e de seu valor à época do decreto expropriatório”, diz trecho do recurso.
A 6ª Turma do TRF2 concordou então com a AGU e determinou, no final de outubro, que a indenização seja paga de acordo com a avaliação administrativa (de 2010), e não com a avaliação judicial (de 2022).
Retomada territorial e cultural
O procurador federal Paulo Fernando Soares Pereira destaca que essa vitória, além de evitar perda de dinheiro para os cofres públicos e enriquecimento sem causa para aqueles que foram expropriados, é parte de um importante processo de regularização do território de uma comunidade que muito já sofreu.
“Essa é uma comunidade com registros que remontam a 1892, poucos anos após a abolição da escravatura. É uma comunidade que já sofreu muita perda de território, que já foi muito perseguida por fazendeiros. Então o processo de titulação dela é muito importante”, diz ele, que atuou no caso pela Procuradoria Regional Federal da 2ª Região (PRF2), unidade da AGU.
Pereira ressalta que os aspectos culturais da comunidade também estavam ameaçados pela disputa territorial. “Em função das perseguições, festas tradicionais da comunidade como a Dança do Congo deixaram de ser realizadas. Esse processo de retomada das tradições ancestrais da comunidade é bem recente e tem sido feito graças à reconquista do território. A atuação do Estado tem sido essencial. Com a desapropriação, as áreas foram devolvidas à comunidade”, conclui.
Fonte: AGU