O Projeto de Lei 4.253, aprovado no Senado Federal em dezembro do ano passado, já teve a consolidação, a redação final, a lavratura dos autógrafos e o seu respectivo envio ao Poder Executivo para sanção ou veto (total ou parcial). Ao que tudo indica, deverá ser publicada agora no dia 31 de março de 2021 a tão esperada nova lei de licitações.
Salienta-se que esse projeto legislativo decorre de uma aspiração de mudança no marco regulatório de licitações e contratos, como se pode observar desde o antigo PL 1.292/95. A redação do projeto em iminência de transformar-se em lei foi discutido antes da sua votação na Câmara dos Deputados e no Senado, tanto que em 2018 a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná foi palco de uma oportunidade para críticas e ideias à nova lei de licitações (https://www.oabpr.org.br/oab-sera-sede-de-audiencia-publica-sobre-nova-lei-de-licitacoes/).
Caso seja sancionado, o que parece ser o curso natural, a futura lei de licitações terá a serventia de consolidar várias leis atuais que versam sobre o tema em um único texto normativo. Cite-se que atualmente existe a famosa Lei 8.666, a Lei do Pregão (Lei 10.520) e a Lei do RDC (Lei 12.462), as quais serão substituídas por uma única lei, ajudando a conceder mais previsibilidade e sistematização racional para a sua compreensão.
Apesar disso, não vislumbro que a futura lei trará grande ruptura na lógica das compras públicas em análise com o avanço da ciência, da tecnologia, da inovação e do mercado atual. Perde-se uma excelente oportunidade para repensar a posição estatal como comprador e de adotar possíveis artefatos que poderiam ser incorporados para resultar em contratações mais eficientes, assim como para diminuir os riscos de inadimplência para ambas as partes contratuais.
Se, de um lado, o particular aspira mais segurança e certeza para que as obrigações estatais sejam fielmente cumpridas e despidas de surpresas indesejáveis (atrasos injustificáveis de pagamento, calote, alterações contratuais unilaterais exacerbadas, judicialização excessiva, litigiosidade pelo não acatamento de pleitos legítimos, sanções descabidas, etc.), doutro lado o setor público e a coletividade esperam que o resultado útil (retorno social direto ou indireto) à satisfação de uma necessidade pública seja o critério persecutido, ou seja, a finalidade de uma contratação administrativa é a satisfação da necessidade pública envolta no contrato (por exemplo, a alimentação das crianças por meio da merenda para que tais tenham condições de estudar dignamente).
Por esses pontos, sempre indago: será que se deve enfocar em novas ritualísticas como meros procedimentos para concretizar uma licitação e ter a celebração de um contrato ou é preciso cuidar com o retorno social direto ou indireto de um contrato e sua máxima eficiência (abarcada aqui a eficácia e efetividade). Os fins não justificam os meios. Ao mesmo tempo, a burocracia essencial se mostra curial para se acautelar de abusos. Esse ponto de equilíbrio me parece essencial e, infelizmente, ficou falho.
Críticas à parte, é o que está quase “posto”.
O texto do projeto prevê que, uma vez sancionada, a nova lei poderá reger no mundo jurídico as relações contratuais do Poder Público juntamente com todas as leis atuais, persistindo a nova e “as velhas” leis por um prazo de dois anos. Isso representa dizer que não haverá uma vacatio legis para a sua aplicabilidade, mas sim um período máximo de sua inaplicação após a publicação. Aqui a confusão é uma prognose facílima de se vislumbrar. Três meses após a publicação do texto legal e, por exemplo, a Câmara Municipal X licita com a nova lei e a Prefeitura Municipal X continua licitando com as leis “antigas” até o limite de dois anos a contar da publicação da nova.
Será deveras importante ao aplicador do Direito conhecer ambos os regimes jurídicos e não será incomum confusões dentro do próprio edital, em peças jurídicas, decisões administrativas e judiciais, dentre outros documentos.
Afora a questão da aplicabilidade plena e “sozinha” da nova lei, destaco alguns pontos que também merecem ser explicitados: (i) positivação de uma estruturação de governança pública nos moldes preconizados pelo Tribunal de Contas da União nos últimos anos e em parte normatizado por atos infralegais no âmbito da União, segmentando competências, envolvendo agentes das mais variadas estaturas funcionais (inclusive alta direção) e ainda buscando uma maximização de controles internos no procedimento contratual; (ii) enfoque no planejamento não só pelo fato de constar como princípio norteador mas também por prever uma série de atos no procedimento legal que demandarão a explicitação da racionalidade da demanda licitada e contratada (plano anual de contratação, estudo técnico preliminar, diretrizes para a mensuração do quantitativo a ser licitado, etc.); (iii) dever de capacitação dos agentes públicos responsáveis para atuar no procedimento de contratação pública; (iv) priorização das licitações eletrônicas; (v) mudanças nas modalidades licitatórias, expurgando a tomada de preços, o RDC e o convite, doutro lado agregando o diálogo competitivo. Diversas regras do RDC foram incorporadas na nova lei e alocadas para as modalidades concorrência e pregão. O diálogo competitivo inspira-se no diálogo concorrencial da diretiva europeia de contratações públicas, que tive a oportunidade de me aprofundar na minha tese de doutorado, e visa por meio de um procedimento com uma relação mais “aberta” interativa entre Estado Comprador e terceiros fornecedores escolher a melhor alternativa para satisfazer a necessidade pública; (vi) regula de maneira mais detalhada e aprofundada os procedimentos auxiliares de licitação como o credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral. Por um lado, prescreve com mais precisão o credenciamento, o que já acontece por exemplo na lei de licitações do Estado do Paraná, doutro lado fixa muitas regras sobre o sistema de registro de preços, arrefecendo a capacidade regulamentar dos entes; (vii) possiblidade de previsão contratual de seguro-garantia que determine à seguradora o dever de executar o objeto que for inadimplido parcialmente pelo contratado-segurado; (viii) permissão de prever o julgamento da licitação pelo maior retorno econômico em contratos de eficiência, o que anuirá em premiar àquele que gerar mais economia ao Poder Público; (ix) a vigência contratual para serviços e fornecimentos contínuos poderá ser de até cinco anos prorrogáveis por mais cinco anos ou de até 35 anos em contratos de eficiência considerados para os fins legais como “contratos com investimento”; e (x) a potencialidade de buscar soluções extrajudiciais de conflitos contratuais como a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
Por fim, resta saber se haverá um efetivo avanço à sociedade a partir do texto da nova lei. Como serão as normas dali extraídas: com interpretação vanguardista e de acordo com o atual contexto mercadológico ou com interpretação amarrada no raciocínio da Lei 8.666 e companhia?
Por Luciano Elias Reis, Doutor em Direito Econômico pela PUC-PR, Doutor em Direito Administrativo pela Universitat Rovira i Virgili, Professor de Direito Administrativo do UNICURITIBA, Advogado e Parecerista, Sócio do Reis & Lippmann Advogados.
E AGORA JOSÉ? A NOVA LEI DE LICITAÇÕES ESTÁ CHEGANDO!
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