A experiência do Tribunal de Contas da União (TCU) acerca da consensualidade prevista na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLCC) foi abordada pelo ministro Benjamim Zymler, na conferência de abertura do 3º Fórum de Licitações e Contratos Administrativos, na tarde desta quarta-feira (8/11). “Não temos uma solução, mas caminhos que buscam tirar o Brasil da situação da paralisia nessas grandes questões contratuais que atingem o direito administrativo”, enfatizou durante o evento virtual do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), com transmissão pelo canal da Instituição no YouTube.
Para um público de cerca de 600 pessoas, entre pregoeiros, agentes de contratação, fiscais e gestores de contrato, procuradores, controladores internos e servidores públicos com atribuições relacionadas a licitações e a contratos administrativos, Zymler destacou que os gestores públicos e os órgãos de controle precisam se instrumentalizar para a adoção do procedimento. “Não é algo que se possa trilhar sem uma preparação adequada dos quadros da Administração Pública e dos Tribunais de Contas”, alertou.
Na oportunidade, o ministro falou do trabalho desenvolvido pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), que permite que uma autoridade competente demande, ao TCU, a análise de alguma solução de tratativa para resolver um conflito. Segundo ele, até o momento, tramitaram no órgão dois únicos processos, ambos de sua relatoria. O resultado foi a criação de um termo de compromisso subscrito pelos gestores públicos, para a busca de solução por meio do consenso, e pelo Tribunal, de não efetuar punição.
Benjamim Zymler salientou, no entanto, que o TCU e os Tribunais de Contas, em geral, não têm a estrutura necessária para lidar com todos os conflitos que surjam no âmbito da Administração Pública. Mas realçou que a ideia é criar um ambiente oxigenado para a proliferação das soluções consensuais por iniciativa dos próprios gestores públicos e das empresas envolvidas. “É mais um exemplo e um caminho mostrado do que um método que deva ser incorrido em todos os casos”, disse.
Em sua opinião, o consensualismo é a revolução do direito administrativo tradicional. Ele explicou que a autoridade passa a ser um mediador, um conciliador, um árbitro, alguém que possa equacionar os interesses postos em litígio, a partir de posições das partes envolvidas. “Ou seja, o nível de legitimação de uma solução consensual, pelo nível maior de participação dos envolvidos no processo, é bem superior ao método processual tradicional”, pontuou, ao mencionar que, no Brasil, “há um certo cansaço no âmbito empresarial, mesmo no âmbito administrativo, das indefinições que existem nas soluções de litígios”, pendências não resolvidas, que, segundo o ministro, acabam travando muitas políticas públicas.
“Esse caminho não é revolucionário, pois está na letra da lei [NLCC]”, frisou. “Reflete a vontade do legislador de se buscar métodos consensuais para a resolução de conflitos, que se aplicam em muitas outras áreas do direito administrativo, no mundo regulatório”, acrescentou.
Ele falou ainda que a Nova Lei de Licitações importou institutos da área de concessões e de permissões de serviço público; incentivou o gestor público a interagir com o mercado para realizar licitações, para fazer a gestão e a fiscalização dos contratos administrativos; criou uma nova modalidade de licitação, o diálogo competitivo; incentivou a busca ao mercado para conhecer os objetos licitados; fez referência ao procedimento de manifestação de interesse, em que o estado busca auxílio do mercado para realização de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, ou mesmo para a apresentação de projetos básicos ou executivos, e com isso delegando ao particular uma competência, uma função, que, antes, era tipicamente estatal.
Papel educativo dos TCs
A realização de eventos de capacitação sempre foi uma prática do TCE/SC e ganha maior importância com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLCC) — Lei 14.133/2021 —, que conferiu o papel educativo aos Tribunais de Contas (TCs), por meio de suas escolas de contas, como forma de contribuir para que os gestores públicos desempenhem as funções essenciais para a execução do instrumento normativo.
“A importância das Cortes de Contas, como sabemos, vai muito além da simples verificação de irregularidades financeiras e contábeis; elas desempenham um papel de conscientização, de orientação e de prevenção, contribuindo para o aprimoramento da gestão pública e para a formação de uma cultura de responsabilidade e de transparência”, salientou o presidente em exercício do Tribunal catarinense, conselheiro José Nei Ascari, na abertura do evento.
“É justamente a isto que se propõe o presente Fórum: auxiliar na contínua capacitação e no permanente aperfeiçoamento dos agentes públicos que têm a importante missão de executar a gestão pública no âmbito das compras”, assinalou, após saudar os participantes e palestrantes, entre eles o ministro Benjamim Zymler, o corregedor-geral do TCE/SC, conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, os diretores do Instituto de Contas e de Licitações e Contratações do TCE/SC, Sabrina Maddalozzo Pivatto e Rogério Loch, respectivamente, e o coordenador científico do evento, advogado Noel Bartieri.
Em sua rápida manifestação, o coordenador Baratieri enalteceu a atuação da Corte catarinense na realização da atividade de capacitação, em cumprimento ao disposto no artigo 173 da NLLC. “O nosso TCE catarinense vem cumprindo, de forma eficiente e eficaz, essa determinação legal”, afirmou. “Queremos levar aos agentes públicos informações qualificadas para promover o aperfeiçoamento da gestão pública e da transparência envolvendo os seus atos”, destacou, ao acrescentar que a iniciativa busca contribuir para que “os gestores públicos estejam preparados para enfrentar os desafios na aplicação da Nova Lei de Licitações”.
Programação
O evento busca discutir as inovações, as rupturas e as melhorias proporcionadas pela NLLC e as suas aplicações em casos práticos. Nesta quarta-feira (8/11), a programação contempla quatro palestras: sobre Estudo Técnico Preliminar (ETP) e Termo de Referência (TR), pelo especialista em regulação de Serviços de Transportes Terrestres, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Álvaro Capagio; centralização de compras públicas como ferramenta de gestão, pela diretora da Central de Compras do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Lara Brainer; responsabilização civil e criminal nas compras públicas, pelo promotor de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) Henrique Ziesemer; e inexequibilidade da proposta, pelo auditor do TCU Evaldo Araújo Ramos.
“A administração, por seu poder de compra, tem a capacidade de estimular os que fornecem e prestam serviços de qualidade e desestimular os que assim não se comportam. Isso leva as licitações e os contratos administrativos ao nível de execução de política pública de desenvolvimento”, disse o servidor da ANTT Álvaro Capagio.
Ao comentar sobre o artigo 47 da NLCC, a servidora do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos Lara Brainer falou que a centralização de compras é um caminho sem volta. “Não dá para voltar ao modelo onde se tinha muito mais gente envolvida e um custo financeiro muito maior. É ultrapassado. A centralização e a padronização trazem racionalização financeira e melhor eficiência”.
Na palestra “Como evitar a responsabilização cível e criminal nas contratações públicas”, o promotor Henrique Ziesemer destacou que os programas de compliance são ferramentas de gestão para prevenção de responsabilidade, não apenas no campo jurídico, mas como processo de otimização de fluxo de produção. “Esse programa é multisetorial”, explicou. “Uma coisa comum são programas de compliance e de integridade sendo geridos eminentemente pela área jurídica. Um equívoco”, esclareceu. Segundo ele, a isenção, a prevenção ou a mitigação da responsabilidade do gestor vai depender da equipe que fizer seu programa. “E ele tem que cumprir esse programa à risca, para que os princípios da eficiência e da impessoalidade sejam levados a outro patamar”, alertou.
Em sua participação, o auditor do TCU Evaldo Araújo Ramos discorreu sobre inexequibilidade da proposta em pregões. “Quando surgiu o pregão eletrônico, umas das críticas era o fato de ser eletrônico, porque você potencializa o risco de os preços serem inexequíveis”, registrou, afirmando que “o ser humano é muito emotivo, acaba mandando lances e não tendo um controle racional sobre o limite mínimo a que ele pode chegar”.
Para ele, seria ótimo se, por meio do uso de robôs, o fornecedor conseguisse previamente cadastrar e programar seus lances mínimos, o que reduziria o índice de preços inexequíveis. Citou que, em recentes decisões, o TCU considerou que a utilização desses instrumentos não configura mais uma violação ao princípio da isonomia.
Na quinta-feira (9/11), à tarde, último dia do evento, serão realizadas outras cinco exposições. A diretora da Secretaria Executiva de Integridade e Governança do Governo de Santa Catarina, Fernanda Schramm, falará sobre compliance e gestão de riscos; a especialista em licitações e contratos Flaviana Paim, sobre responsabilização da Administração Pública nos contratos de serviços terceirizados; o auditor fiscal de controle externo Rodrigo Luz Glória, que atua na Diretoria de Licitações e Contratações do TCE/SC, sobre o Laboratório de Obras Rodoviárias da Instituição; a advogada da União Viviane Alfradique Martins de Figueiredo Mendes, sobre solução de conflitos; e o coordenador científico do evento, advogado Noel Baratieri, sobre contratação de marca ou de produto reprovado em contratação pretérita.
Fonte: TCE-SC