O Plano de Contratação Anual elaborado por consórcio público deve contemplar a previsão da possibilidade de realização de licitações compartilhadas. Eventuais licitações que não estejam contempladas nesse plano devem ser objeto de específica e detalhada motivação, apta a justificar a excepcionalidade da contratação em face do planejamento da entidade.
Nos termos da Lei nº 11.107/05, regulamentada pelo Decreto nº 6.017/07, é possível a cessão de servidor do ente consorciado para o respectivo consórcio, para fazer parte de comissão de licitação específica, condicionada a operação à forma e condições da legislação de cada um.
Os consórcios públicos podem realizar licitações compartilhadas mediante quaisquer das modalidades e critérios de julgamento previstos na Lei nº 14.133/21 (a Lei de Licitações e Contratos atualmente em vigor), observadas as particularidades da modalidade escolhida.
As condições necessárias para que os entes consorciados participem de licitação compartilhada estão previstas no artigo 18 da Lei nº 14.133/21, no que couber, devendo sempre ser demonstrado o interesse comum do objeto e sendo de responsabilidade específica de cada um dos consorciados interessados em participar do certame a definição dos quantitativos almejados e a comprovação de disponibilidade orçamentária.
A responsabilidade de celebração dos contratos oriundos de licitação compartilhada é atribuída aos entes consorciados, nos termos do artigo 19 do Decreto nº 6.017/07.
Para a hipótese de registro de preços, podem ser praticados valores distintos a cada ente consorciado, conforme o local de realização do serviço ou de entrega do objeto, consoante previsto no artigo 82, inciso III, da Lei nº 14.133/21.
O consórcio pode realizar dispensa de licitação e inexigibilidade na forma de registro de preços em licitação compartilhada, nos termos do artigo 82, parágrafo 6º, da Lei nº 14.133/21, cabendo ao consórcio público sua regulamentação e, aos consorciados a formalização dos contratos decorrentes.
Em licitação compartilhada de consórcio poderá ocorrer preferência de contratação de microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs) locais ou regionais para cada ente participante, devendo ser observadas as condições e critérios dispostos no Prejulgado nº 27 do TCE-PR.
É possível que consórcios não participantes da licitação façam posterior adesão da ata de registro de preços, com fundamento nas disposições do artigo 86, parágrafo 3°, inciso II, da Lei nº 14.133/21 e da Lei nº 11.107/05. Nesse caso, adesão e carona podem ser entendidos como sinônimos.
Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Consórcio Intermunicipal Caiuá Ambiental, por meio da qual questionou sobre as possibilidades e peculiaridades de licitações compartilhadas.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que, caso seja o Plano de Contratação Anual, cuja existência, preenchimento e publicação devem se dar por previsão expressa em regulamentação do órgão ou entidade, este instrumento deverá prever as licitações compartilhadas.
A unidade técnica ressaltou que é possível a cessão de servidores dos entes consorciados para o respectivo consórcio; e que os consórcios públicos têm a possibilidade de realizar licitações de forma compartilhada em todas as modalidades de licitação previstas na Lei n.º 14.133/2021.
A CGM destacou que, para que os entes consorciados participem de licitações compartilhadas, devem haver critérios e condições específicos em relação à contratação, em que a fase de planejamento tenha dado como melhor solução a contratação compartilhada; e que a responsabilidade pela contratação dos objetos licitados decorrente da licitação compartilhada pode ser atribuída aos entes consorciados.
A unidade técnica destacou que a previsão em instrumento convocatório da possibilidade de preços diferentes está expressa no artigo 82, III, da Lei 14.133/2021, mas somente para licitações em Sistema de Registro de Preços (SRP).
A CGM também salientou que os demais órgãos e entidades beneficiados pela contratação direta e SRP são destinatários da Ata de Registro de Preços e da posterior contratação; e podem, ou não, ter regulamentado o registro de preços. A unidade técnica frisou que os municípios que não participam da licitação serão órgãos não participantes do SRP e poderão aderir, ou “pegar carona”, nas atas de outros órgãos e entidades.
Finalmente, a GM afirmou que, como a Lei nº 11.107/05 dispõe que os entes consorciados terão o consórcio público como integrante de sua administração Indireta, é perfeitamente possível a adesão ou carona às atas de registro de preços pelos entes consorciados em relação ao consórcio e vice-versa.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM.
Legislação e jurisprudência
O artigo 112 da Lei nº 8.666/93 (antiga Lei de Licitações e Contratos) estabelece que, quando o objeto do contrato interessar a mais de uma entidade pública, caberá ao órgão contratante, perante a entidade interessada, responder pela sua boa execução, fiscalização e pagamento.
O parágrafo 1º desse artigo fixa que os consórcios públicos poderão realizar licitação da qual, nos termos do edital, decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades dos entes da federação consorciados; e o parágrafo 2º, que é facultado à entidade interessada o acompanhamento da licitação e da execução do contrato.
O artigo 5º da Lei de Licitações e Contratos estabelece que, na aplicação dessa lei serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB).
O inciso XLIX do artigo 6º da Lei nº 14.133/21 define órgão ou entidade não participante como o órgão ou entidade da administração pública que não participa dos procedimentos iniciais da licitação para registro de preços e não integra a ata de registro de preços.
O inciso VII do artigo 12 da Lei de Licitações fixa que, a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.
O artigo 18 da Lei nº 14.133/21 expressa que a fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do artigo 12 dessa lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação.
O inciso III do artigo 82 da Lei nº 14.133/21 estabelece que o edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais dessa lei e deverá dispor sobre a possibilidade de prever preços diferentes quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes, em razão da forma e do local de acondicionamento, quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote, ou por outros motivos justificados no processo.
O parágrafo 6º desse artigo dispõe que o sistema de registro de preços poderá, na forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade.
O inciso II do parágrafo 3° do artigo 86 da Lei de Licitações fixa que a faculdade de aderir à ata de registro de preços na condição de não participante poderá ser exercida por órgãos e entidades da administração pública municipal, relativamente à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação.
O artigo 105 da Lei nº 14.133/21 dispõe que a duração dos contratos regidos por essa lei será a prevista em edital; e deverão ser observadas, no momento da contratação e a cada exercício financeiro, a disponibilidade de créditos orçamentários e a previsão no plano plurianual, quando ultrapassar um exercício financeiro.
O inciso II do artigo seguinte (106) expressa que a administração deverá atestar, no início da contratação e de cada exercício, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação e a vantagem em sua manutenção.
O artigo 150 da Lei de Licitações e Contratos estabelece que nenhuma contratação será feita sem a caracterização adequada de seu objeto e sem a indicação dos créditos orçamentários para pagamento das parcelas contratuais vincendas no exercício em que for realizada a contratação, sob pena de nulidade do ato e de responsabilização de quem lhe tiver dado causa.
O artigo 181 da Lei nº 14.133/21 dispõe que os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades dessa lei.
O Decreto nº 6.017/07 regulamenta a Lei nº 11.107/07, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos. O artigo 19 desse decreto expressa que “os consórcios públicos, se constituídos para tal fim, podem realizar licitação cujo edital preveja contratos a serem celebrados pela administração direta ou indireta dos entes da federação consorciados”.
O inciso I do artigo 4º da Lei 11.107/07 estabelece que são cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio.
O Prejulgado nº 27 do TCE-PR fixa que é possível, mediante expressa previsão em lei local ou no instrumento convocatório, realizar licitações exclusivas para MEs e EPPs, sediadas em determinado local ou região, devido à particularidade do objeto a ser licitado ou para implementar os objetivos propostos no artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06, desde que devidamente justificado.
O Acórdão nº 1624/20 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 821513/16) expressa que consórcios públicos podem realizar licitação compartilhada ou efetuar “carona” em certame, com a utilização das modalidades concorrência, tomada de preços e convite; e seus tipos previstos em lei.
De acordo com esse acórdão, que tem força normativa, os participantes não estão obrigados a contratar o objeto licitado, mesmo após a homologação do resultado da licitação compartilhada. Mas, caso queiram contratar, os consórcios são responsáveis pela celebração dos respectivos contratos e pelo envio dos dados relativos à contratação e à execução do objeto ao Sistema de Informações Municipais – Acompanhamento Mensal (SIM-AM) do TCE-PR, salvo disposição contrária expressa em norma do Tribunal.
Outra disposição do Acórdão nº 1624/20 – Tribunal Pleno do TCE-PR é que o consórcio público também pode participar apenas como órgão gerenciador da licitação, pois a legislação atribui ao consorciado a competência pela celebração de contratos derivados das licitações promovidas pelo consórcio.
Além disso, esse acórdão fixa que os consórcios podem participar em licitação compartilhada de entes públicos integrantes da administração indireta dos municípios consorciados, conforme previsão normativa; e realizar essa forma de licitação para a contratação referente a quaisquer objetos.
O Acórdão nº 571/22 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 407614/21), também com força normativa, fixa que os consórcios públicos somente podem realizar licitações compartilhadas se houver expressa previsão para tanto nos seus atos constitutivos. Portanto, não é admitida para esse fim a interpretação subjetiva e implícita em relação à expressão “se constituídos para tal fim” constante no artigo 19 do Decreto nº 6.017/07, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.
Outro acórdão com força normativa do TCE-PR, o Acórdão nº 1669/23 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 731105/22), expressa, ainda, que é possível a realização de licitação compartilhada por consórcio público, de acordo com as disposições da Lei nº 14.133/21, desde que haja expressa previsão em seu ato constitutivo. Nesse caso, o consórcio pode atuar apenas como órgão gerenciador, com amparo técnico e logístico para os seus consorciados, responsabilizando-se pela condução e gerenciamento dos procedimentos licitatórios, cabendo aos entes consorciados a celebração dos contratos deles decorrentes.
Ainda segundo esse acórdão, os consórcios públicos não estão dispensados de possuir crédito orçamentário disponível para abertura do processo licitatório compartilhado, sob pena de violação às disposições dos artigos 105, 106 e 150 da Lei nº 14.133/21.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Fabio Camargo, acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele lembrou que o plano de contratações anual passou a integrar as normas gerais de licitações e contratações públicas com edição da Lei nº 14.133/21; caso ele tenha sido elaborado pela entidade, todas as licitações devem ser nele contempladas, inclusive licitações compartilhadas; ele pode ser alterado, excluído ou redimensionado; e eventuais certames não previstos no plano deverão ser devidamente justificados.
Camargo ressaltou que é possível a cessão de servidores de entidades consorciadas à associação pública, em razão do caráter colaborativo que dessa modalidade de afastamento; e que as licitações compartilhadas podem ser realizadas em quaisquer modalidades e critérios de julgamento previstos em lei.
O conselheiro destacou que, para que entes consorciados integrem uma licitação compartilhada, devem ser observados os requisitos previstos na Lei nº 14.133/21 em relação à fase preparatória do certame. Ele enfatizou que, na hipótese de o consórcio ser o gerenciador com vistas à contratação conjunta pelos consorciados, o que lhes cabe é a elaboração de estudo técnico preliminar, ou instrumento análogo, que contemple os requisitos elencados na norma.
Assim, o relator lembrou que as condições necessárias para que os entes consorciados participem das licitações compartilhadas são expressas no artigo 18 da Lei de Licitações, cabendo a cada um dos consórcios a definição dos quantitativos almejados e a comprovação de disponibilidade orçamentária para suportar as obrigações decorrentes das contratações.
Camargo salientou que a responsabilidade de celebração dos contratos oriundos de licitação compartilhada é atribuída aos entes consorciados, nos termos do artigo 19 do Decreto nº 6.017/07.
O conselheiro explicou que podem ser previstos no instrumento convocatório valores diferentes devido à realização ou entrega do objeto em localidades diversas. Mas frisou que essa distinção somente é possível para certames compartilhados que objetivem o registro de preços.
O relator destacou que a Lei de Licitações trouxe regramento expresso sobre a possibilidade de utilização do sistema de registro de preços em hipóteses de contratação direta, por meio de inexigibilidade e dispensa de contratação.
Camargo enfatizou que, por meio do Prejulgado nº 27, o TCE-PR consolidou posicionamento sobre a possibilidade, mediante expressa previsão em lei local ou no instrumento convocatório, de se restringir a participação em licitações às MEs e EPPs sediadas em determinando local ou região, em virtude da peculiaridade do objeto ou para implementação dos objetivos propostos no artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06, desde que devidamente justificado.
O conselheiro afirmou que que o instituto jurídico da “carona” se refere à possibilidade de que sejam utilizadas as atas de registros de preços vigentes, por entidades que não participaram da licitação, permitindo-lhes que contratem sem licitar. Ele ressaltou que entidade não participante poderá aderir à ata de registro de preços da licitação realizada por outro órgão; e explicou que os termos adesão e “carona” podem ser entendidos como sinônimos.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão de plenário virtual nº 22/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 21 de novembro de 2024. O Acórdão nº 3888/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 28 de novembro, na edição nº 3.345 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 9 de dezembro passado.
Fonte: TCE-PR