Com a “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos” vem a chance de combater a banalização de situações em pregões para contratação de serviços comuns de engenharia que, apesar de admitidos na jurisprudência e no artigo 1º do Decreto nº 10.024/2019, padecem de vícios como a ausência de planilhas de custos e formação de preços e de regras claras para atestação técnico-operacional dos licitantes e outros aspectos que deixam a disputa não objetiva e não isonômica e prejudicam a fiscalização futura do contrato, bem como comparação analítica em aditivos contratuais.
A Lei nº 14.133/2021, como seu artigo 2º, inciso VI, menciona, aplica-se também às obras e aos serviços de engenharia, mas para evitar certas distorções é preciso extrair o máximo possível da nova lei de disposições que parametrizem disputas, transparentes, justas e corretas, bem como tornem os contratos seguros em sua execução.
Até os dias de hoje existem pregões de serviços comuns de engenharia cujos editais não possuem planilha de custos e formação de preços de modo a tornar possível uma comparação analítica de preços unitários e globais, como nos casos de serviços de apoio à fiscalização, “in loco”, de obras públicas e outros serviços.
Nestes casos, se não há uma planilha igual como base a todos os licitantes como comparar os custos de engenheiros e outros profissionais, hospedagem e alimentação dos mesmos, locação de veículos, combustível, pedágios e outros itens que são essenciais para vistorias locais, em campo, para fins de subsidiar a Administração, no dever de fiscalização do artigo 117 da nova lei.
E como se pode ter disputa com atendimento aos princípios da igualdade (todos ofertando itens de composição de custos e formação de preços com mesma parametrização), da segurança jurídica (previsibilidade do que entra ou não nos custos do serviço de vistorias das obras), julgamento objetivo (todos os licitantes sujeitos a um mesmo critério de aferição de preços, até para fins de verificar exequibilidade, inexequibilidade, sobrepreço e outras situações), todos princípios do artigo 5º da nova lei?
Impossível se não há planilha para esse tipo de serviço.
Por isso a lei inovou em seu artigo 56, § 5º, para estabelecer que “nas licitações de obras ou serviços de engenharia, após o julgamento, o licitante vencedor deverá reelaborar e apresentar à Administração, por meio eletrônico, as planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários, bem como com detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES), com os respectivos valores adequados ao valor final da proposta vencedora, admitida a utilização dos preços unitários, no caso de empreitada por preço global, empreitada integral, contratação semi-integrada e contratação integrada, exclusivamente para eventuais adequações indispensáveis no cronograma físico-financeiro e para balizar excepcional aditamento posterior do contrato”.
Outra inovação veio com o artigo 128, que assim estabeleceu outro balizamento com suporte em planilhas: “Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência não poderá ser reduzida em favor do contratado em decorrência de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária”.
Por fim, tem-se o artigo 135, § 6º, da lei, nos seguintes termos, agora balizando até o futuro contrato: “A repactuação será precedida de solicitação do contratado, acompanhada de demonstração analítica da variação dos custos, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços, ou do novo acordo, convenção ou sentença normativa que fundamenta a repactuação”.
Por isso, deve-se desconsiderar o antigo modo de considerar, ainda na fase interna do pregão, menor preço por ser menor preço, sendo algo não planilhado e nem realista, inclusive, porque esse tipo de modo de proceder não é mais compatível com o regime de contratações de engenharia como aperfeiçoado pela lei, devendo-se agora evitar fixar até máximo tendo como base, simplesmente, a menor das cotações e não média ou mediana e nem cotações prévias que nem mesmo tenham sido apresentadas com base em idêntica planilha de custos e de formação de preços que vá igualar todas aquelas cotações e que seja a mesma base para os licitantes, em face de anexo do edital, elaborarem seus planilhamentos de custos e formação de preços e não e não s tenha aquela absurda situação de pregões com preço máximo que é, de pronto, alertado como “inexequível” ou “subjetivo”, pelos licitantes, assim que o edital é disponibilizado.
Também não se pode alegar, de modo simplório, que se busca apenas a economicidade, do artigo 70 da Constituição Federal e do 5º da nova lei, se além de uma disputa totalmente sem critérios o futuro contrato ficará às cegas para sua execução, quanto aos seus custos e até para solução de pedidos de aditivos de acréscimo de custos, para os quais a CGU e o TCU exigem que, em face do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, haja uma planilha original, de custos e formação de preços, para se fazer, analiticamente, item a item, dos componentes que compõem o preço, o que realmente teve alguma variação extraordinária ou não.
Mas o fato e que ate hoje existem editais de pregões que, em nome da economicidade de um momento imediato, desprezam a disputa justa e correta e colocam um contrato, como o de apoio à fiscalização de obras públicas em um risco de gerar prejuízo naquelas obras, que por um preço “aventureiro” no pregão, ao longo do contrato, perdem a fiscalização, pois a empresa que fora contratada para inspeções em campo, simplesmente, abandonou o contrato, porque com o tão baixo preço ofertado, prometeu o que não devia. Assim, pregão com alegação de economicidade antes, mas prejuízos milionários em reflexos futuros.
Mas com as inovações da Lei nº 14.133/2021 as mudanças práticas vão surgir, de modo a evitar situações absurdas de não se conseguir comparar propostas (porque são desiguais na sua elaboração).
Isso vai implicar em inibir licitantes de “chutarem” preços nos pregões de engenharia, como bem entenderem, com as mais mirabolantes ideias para tentar dar explicações de preços que não podem ser aferidas de modo transparente, especialmente, porque julgamento subjetivo não se admite, inclusive, em contratações de engenharia.
Enfim, se caminha agora para isonomia e igualdade de tratamento entre licitantes, para fins do artigo 37, inciso XXI, da Constituição federal e do artigo 5º da Lei nº 14.133/2021.
Outra situação gravemente subjetiva que ainda ocorre em pregões de serviços comuns de engenharia, mas tende a acabar, é a falta de regramento sobre atestação técnico-operacional da licitante, na parte de atestados, o que precisará agora ser considerado em face do artigo 67, inciso II, da Lei nº 14.133/2021, que estabelece que a atestação deve comprovar “capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior”.
Nesse contexto é importante lembrar que, por anos, muitos editais de serviços de engenharia, simplesmente, não traziam qualquer indicação de qual seria a parcela de maior relevância para aferição de capacidade técnica, não indicavam um percentual de execução anterior para se aferir igualdade de qualificação de empresas não apenas aptas por lei para serviços de engenharia, como com expertise comprovada para aquele porte e tipo de serviço, etc.
Para a situação acima é preciso acabar mesmo com situações como as de uma empresa que fez a fiscalização de uma só obra em uma casa ou prédio de pequeno porte pretendendo se aventurar a realizar inspeções em obras públicas de grande porte e pelo Brasil afora, nas mais remotas localidades e difíceis condições de acesso, locomoção e estrutura.
Então foi importante ter sido incorporada na Lei nº 14.133/2021, a regra do seu artigo 67, § 1º, que estabelece que “a exigência de atestados será restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, assim consideradas as que tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação”. Isso já foi um avanço contra a não parametrização de critérios dos atestados, que banalizava contratações de serviços comuns de engenharia por modalidade licitatória de pregão.
No mesmo artigo 67, agora § 2º, consta ainda que um núcleo para segurança no ato de selecionar licitantes pela qualificação técnico operacional, relevante para fins da segurança da contratação, nos termos do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Assim ficou a nova regra: “será admitida a exigência de atestados com quantidades mínimas de até 50% das parcelas de que trata o referido parágrafo”. Resumindo, mais segurança também para os pregões de serviços comuns de engenharia, devendo a graduação desse percentual ser pesada conforme os princípios de razoabilidade e proporcionalidade que constam como obrigatórios pelo artigo 5º da nova lei.
Por fim, no artigo 67, § 3º, da lei consta uma regra diferenciada, mas ao mesmo tempo não solta de critérios: “Salvo na contratação de obras e serviços de engenharia, as exigências a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo, a critério da Administração, poderão ser substituídas por outra prova de que o profissional ou a empresa possui conhecimento técnico e experiência prática na execução de serviço de características semelhantes, hipótese em que as provas alternativas aceitáveis deverão ser previstas em regulamento”. Assim, espera-se que os regulamentos estabeleçam critérios de aferição que não representem retrocesso à banalização de aceitações de quaisquer documentos sobre experiência anterior.
Feitas essas considerações, cabe ponderar que as novas regras não podem esquecer as boas práticas que foram objetos de anos e anos de discussão, especialmente, no Tribunal de Contas da União, das quais sobrevieram o Acórdão 1636/2007 — Plenário, tratando da necessidade de dar parâmetros claros e seguros para essa aferição de capacidade técnico-operacional e, ainda, deve-se lembrar do alerta contundente do Tribunal de que não apenas é possível como também “imprescindível à garantia do cumprimento da obrigação — delimitar as características que devem estar presentes na experiência anterior do licitante quanto à capacidade técnico-operacional e técnico-profissional” (Acórdãos 1.214/2013 e Acórdão 3.070/2013).
Enfim, perspectivas de maior seriedade para as licitações de serviços comuns de engenharia por pregão estão em evidência com a nova lei que, inclusive, trouxe para seu artigo 5º princípios adicionais como o da segurança jurídica e o da transparência.
Tem-se a esperança de que que venha a luz nos pregões de serviços comuns de engenharia, seja em aspectos de custos, formação, de preços, elaboração de cotações prévias corretas e com mesmos parâmetros (de fase interna), que serão utilizados adiante pelos licitantes (na fase externa), bem como na fiscalização e gestão do contrato, e luz quanto à atestação técnico-operacional, para que não se tenha falta de igualdade de avaliação de licitantes e riscos nos futuros contratos, em detrimento do interesse público.
Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2021, 8h02
Jonas Lima é advogado, especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público e Compliance Regulatório. Sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia.